sexta-feira, 30 de agosto de 2013

A Panela de Pressão

Estava a pensar no que se está a passar no actual Benfica quando me lembrei de um episódio do nosso futebol. Certo dia, perguntaram a Carlos Manuel, no já longínquo ano de 1997, qual o segredo para o bom futebol que a equipa treinada por si na altura, o Salgueiros, apresentava, já que o plantel era praticamente o mesmo da época anterior. Carlão respondeu de forma descontraída, dizendo que o principal era que os jogadores tinham prazer em jogar futebol e se divertiam a fazê-lo. Parecia uma resposta evasiva a qualquer segredo táctico mas continha em si uma grande verdade por vezes esquecida. Um conjunto de jogadores descontraído treina melhor durante a semana e joga melhor quando chega a altura dos jogos, isto quando comparado com o mesmo conjunto pressionado, claro está, já que a valia individual e a organização colectiva continuam a ser os pilares de uma boa equipa. Voltando ao Benfica, penso que está hoje no extremo oposto ao episódio descrito. Os principais jogadores da época passada ficaram, as lacunas do plantel foram resolvidas com a contratação de novos jogadores, o treinador é o mesmo, o sistema táctico usado não foge aos sistemas tácticos usados anteriormente, mas o futebol apresentado é muito diferente. Para pior. A equipa  rende menos, parece amarrada e até a grande vertigem dos seus jogos de épocas anteriores, causada pela velocidade que impunha ao seu jogo, desapareceu. Não me parece que os jogadores estejam de cabeça limpa e os episódios de indisciplina vão-se acumulando, como se viu no último jogo em casa, frente ao Gil Vicente em que Gaitan reage mal a ser substituído e onde o capitão Luisão se desentende com os adeptos, protestando com estes de forma bem visível. O que se passa é que a equipa está pressionada.
Tantas vezes a grande força do Benfica, os adeptos são também o seu maior inimigo

O final da época passada foi terrível para o Benfica. Após ter chegado ao final da época a disputar três competições, apresentando legítimas aspirações de as vencer a todas, acabou por não ganhar nenhuma. Talvez mais do que isso, aos adeptos doeu a forma como as perdeu. O campeonato em pleno Estádio do Dragão frente ao grande rival FC Porto, sofrendo o golpe fatal nos descontos de um jogo eléctrico, perdendo a final da Liga Europa, de novo nos descontos e sendo derrotado na final da Taça de Portugal por um Vitória de Guimarães que nunca se mostrou superior. E aqui, no Jamor, talvez por ter sido o último jogo da época, caiu a gota de água que fez transbordar o copo. Cardozo desentende-se com o treinador Jorge Jesus à frente de todos e os adeptos mostram claramente que perderam a paciência. Jorge Jesus, após quatro anos ao leme da equipa, parece ter perdido todas as condições para o continuar a fazer.  Neste ponto começa a responsabilidade da direcção do Benfica, talvez a principal culpada da situação actual em que a sua equipa de futebol está envolvida. Luís Filipe Vieira e seus pares deveriam ter tomado uma posição forte e, principalmente, rápida no que respeita à manutenção ou não da equipa técnica. Pelo contrário, deixou arrastar a decisão, deixando que se transformasse num caso, amplamente explorado pelos media e que foi criando uma divisão nos adeptos encarnados, aumentando o número e o ruído dos que pediam a sua saída. Acabou por decidir manter o treinador renovando o seu contrato por mais dois anos mas o mal estava feito. Os muitos adeptos que pediam a sua cabeça estavam agora à espera que falhasse de novo para se voltar a manifestar. 
Cardozo interpela Jorge Jesus após a derrota na Taça de Portugal
De seguida, acaba por não ser célere a resolver o caso Cardozo. Após o que aconteceu no final do jogo do Jamor, entre Cardozo e Jorge Jesus, dificilmente seria de esperar que ambos se mantivessem no clube e, após a renovação do treinador, ficou claro que Cardozo teria de sair. Mais uma vez, a direcção do Benfica não foi firme na resolução deste caso, talvez com medo de perder um activo do clube por pouco dinheiro, e deixou-o empolar, de novo dividindo os adeptos, agora de forma muito mais desequilibrada, com a maioria a pedir que o paraguaio fique no clube, algo que ainda nem ficou totalmente decidido. Com isto, gerou-se uma pressão enorme sobre o Benfica que ficou proibido de errar. Essa pressão sentiu-se na pré-temporada onde a equipa jogava jogos amigáveis sobre brasas, muitas vezes assobiada pelos próprios adeptos que não lhe davam qualquer margem de erro. Os resultados de jogos da pré temporada, coisa que normalmente, pouco interessa, tornaram-se grande motivo de análise e mais uma vez o rendimento da equipa foi questionado.
Treinador e equipa têm estado debaixo de uma intensa pressão

Não foi, assim, surpresa a forma como o Benfica se apresentou para o seu primeiro jogo oficial frente a um difícil Marítimo. Jogou sem dinâmica ofensiva e com muito nervosismo defensivo e o resultado foi uma derrota à primeira jornada. Neste momento, já o Benfica se assemelhava a uma panela de pressão, com esta sempre a aumentar e com os seus intervenientes principais no papel de ingredientes, a serem cozinhados por uma massa associativa que já não tolera mais falhas. O Benfica precisava de vitórias urgentemente e a primeira aconteceu em casa, à segunda jornada. Mas a vitória, aqui, já não chegava. O Benfica precisava de uma vitória clara, sem contestação mas, mesmo tendo sido amplamente superior a um Gil Vicente que pouco atacou, viu-se a perder, sofrendo golo num lance algo caricato, que transmitiu a ideia de ter acontecido devido ao nervosismo dos jogadores, e acabou por vencer o jogo marcando dois golos no período de compensação. A vitória tirou alguma pressão à panela mas não a suficiente. Esta ainda cozinha. Sem a celeridade na resolução dos casos acima descritos, a direcção do Benfica acabou por fazer com que o final da época de 2012/2013, se tenha arrastado para o principio da época de 2013/2014, quase come se fossem a mesma temporada.

Alvalade será o palco de um derby que promete ser explosivo
E agora, chegando à terceira jornada, o Benfica entra num verdadeiro campo minado. A ida a Alvalade para enfrentar um Sporting líder do campeonato e extremamente motivado, apresenta-se como uma armadilha tremenda e ameaça fazer rebentar a panela de pressão, com possíveis consequências para a sua equipa técnica e para as aspirações ao título. Mas aqui, apresenta-se também a oportunidade dourada de esvaziar a pressão e relançar uma candidatura ao título de forma definitiva. Para o fazer, o Benfica teria de ir a Alvalade e derrotar o seu eterno rival e isso não se afigura tarefa fácil. Olhando para a valia individual de ambas as equipas, o Benfica tem condições para o fazer mas, para isso, tem de conseguir entrar em campo de cabeça limpa e aqui está, talvez, o maior desafio de Jorge Jesus. Conseguirão as águias abrir a panela de pressão ou esta explodirá nas suas mãos? O derby desta jornada poderá conter a resposta. 

2 comentários:

  1. Excelente análise.

    Uma previsão que fiz no ano passado, quando o Benfica ainda se encontrava à frente do campeonato e tudo lhe corria bem, era que se o SLB não tratasse imediatamente da questão do contrato do treinador que iria acabar a cometer erros graves.

    Ou a equipa ganhava tudo e JJ iria conseguir um contrato milionário. Ou arriscava-se a perder tudo ou quase tudo e o próprio facto de não terem fechado o contrato ser legitimamente considerado como factor desestabilizador. Ou arriscava-se a ver JJ a ir para o FCP depois de ganhar o campeonato e/ou a Europa Cup.

    As variáveis era muitas, mas o resultado era sempre o mesmo. A falta de coragem em assumir atempadamente se queriam ou não manter JJ levou a esta situação em que se encontra agora: assinaram contra a vontade dos adeptos, os adeptos fazem a vida negro à equipa e arriscam-se a ter que pagar uma indemnização milionária a JJ.

    Abraços

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Olá António,

      Lembro-me de termos falado sobre isso na época passada e penso que as tuas previsões acertaram na mouche.

      A direcção do Benfica está lá para tomar decisões, boas ou más, mas a única que tomou, na altura, foi a de não tomar qualquer decisão. Ao hesitar nesta questão, criou um monstro. É verdade que os media aproveitaram e que os adeptos são os grandes motores desta pressão mas isso foi sempre assim e a direcção, mais do que ninguém, tem de conhecer o clube. Mais um motivo para que a direcção dos encarnados tivesse de tratar deste assunto de outra forma.

      Quanto à indeminização, é mais ou menos pública...8 milhões de euros.

      Abraços

      Eliminar